O rompimento das barragens de Fundão e Santarém, dia 5 de novembro na unidade industrial de Germano, entre os distritos de Mariana e Ouro Preto (cerca de 100 km de Belo Horizonte), provocou uma onda de lama que devastou distritos próximos. O mais atingido foi Bento Rodrigues. Há relatos de desaparecidos, e o número total de mortes ainda é desconhecido.
Veja a seguir perguntas e respostas sobre o que foi considerado o maior desastre ambiental da história de MG:
De quem são as barragens?
A mineradora Samarco é a empresa que beneficia o minério na região, aumentando seu teor de ferro, para depois exportar a outros países. Fundada em 1977, ela é uma empresa de capital fechado controlada por duas acionistas, ou donas: a anglo-australiana BHP Billiton Brasil Ltda. e a brasileira Vale S.A. Cada uma controla metade. Os rejeitos dessa exploração eram estocados pelas barragens que se romperam.
O que provocou o rompimento?
As causas ainda estão sendo investigadas. Inicialmente, a Samarco disse ter registrado dois pequenos tremores na área duas horas antes do rompimento. O Observatório Sismológico da Universidade de Brasília registrou dois tremores próximos ao local, de baixa magnitude. “Uma das coisas ainda em discussão é se esse é um evento natural ou desencadeado pelos reservatórios”, afirmou George Sand, chefe da unidade. Não chovia no momento do rompimento. Um engenheiro da Samarco afirmou que uma vistoria não detectou risco no local. Mas um laudo obtido pelo Jornal da Globo mostra que já se sabia do risco. "O contato entre a pilha de rejeitos e a barragem não é recomendado por causa do risco de desestabilização do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos", diz o documento. Para o Ministério Público, isso mostra que houve "negligência" da empresa. A Feam (Fundação Estadual de Meio Ambiente) declarou que chegou a recomendar a necessidade de se fazer reparos na estrutura da barragem de Fundão.
Quantas pessoas foram afetadas?
O distrito de Bento Rodrigues foi destruído e centenas de pessoas ficaram desabrigadas. A lama alcançou outros distritos de Mariana, como Águas Claras, Ponte do Gama, Paracatu e Pedras, além da cidade de Barra Longa. Até o domingo (15), sete mortos haviam sido identificados e 18 pessoas estavam desaparecidas. Outros dois corpos foram encontrados e aguardavam identificação. Os rejeitos foram levados pelo Rio Doce, afetando ainda dezenas de cidades na Região Leste de Minas Gerais até o Espírito Santo, com a falta de água potável.
Quantos distritos foram afetados?
A onda de lama continua a atingir outras comunidades, como Paracatu de Baixo e Camargos, e as cidades de Barra Longa, Rio Doce e Santa Cruz do Descalvado. A lama também chegou ao Espírito Santo, levada pelo Rio Doce, afetando Regência, Linhares, Baixo Gandu e Colatina. Veja abaixo (antes e depois) como ficaram algumas regiões atingidas pela lama:
No local onde opera a Samarco, ainda existe a barragem de Germano, a maior entre as três que compunham o sistema de rejeitos. Em razão do risco de rompimento também dessa barragem, as buscas foram replanejadas na quarta (11) por medida de segurança. A Samarco informou que iria realizar intervenções nas “estruturas remanescentes das áreas de barragens”, para proporcionar mais estabilidade e prevenir “problemas futuros”. O Corpo de Bombeiros divulgou a existência de uma trinca nessa barragem.
A lama é tóxica?
Segundo o geólogo Luiz Paniago Neves, coordenador de fiscalização de pesquisa mineral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão responsável pela fiscalização de barragens de rejeitos, o rejeito de minério de ferro é classificado como inerte, ou seja, inofensivo. Se ele chegar ao leito de um rio, por exemplo, a água poderá ficar turva, ocorrerá uma sedimentação, mas o consumo da água não terá impacto na saúde. Apesar disso, ainda não houve nenhuma análise específica dos rejeitos despejados pelas barragens rompidas. Em Governador Valadares, uma das cidades banhadas pelo Rio Doce, o diretor geral do serviço autônomo de água e esgoto, Omir Quintino, disse que a água coletada para análise apresentou alto índice de ferro, o que inviabiliza o tratamento, além de grande quantidade de mercúrio, que é muito tóxico. Já a Samarco diz que não havia elementos tóxicos no material.
Qual a quantidade de lama levada aos distritos?
Segundo o Ibama, estima-se o lançamento de 50 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração, o suficiente para encher 20 mil piscinas olímpicas, composto principalmente por óxido de ferro e sílica (areia).
O que essa lama provoca?
Segundo a coordenadora do núcleo de emergências do Ibama de Minas Gerais, Ubaldina da Costa Isaac, a lama atingiu uma extensão de 80 km do leito d’água na região. Uma das consequências é o assoreamento, ou seja, o acúmulo de sedimentos na calha do rio, causando impactos socioeconômicos e ambientais.
Conforme o Ibama, houve alterações nos padrões de qualidade da água (turbidez, sólidos em suspensão e teor de ferro). Um dos impactos é a mortandade de animais, terrestres e aquáticos, por asfixia. Já no Rio Doce, onde chega mais diluída, a morte de peixes ocorre pelo sistema respiratório, complementa o instituto.
Qual o prejuízo do desastre?
O prefeito de Mariana, Duarte Júnior, disse que o prejuízo com o rompimento das barragens é de ao menos R$ 100 milhões, incluindo perdas de infraestrutura, dano ambiental, pontes levadas e escolas que foram destruídas. O número é um levantamento preliminar feito pela Secretaria de Obras da cidade.
Qual a importância da mineradora para os municípios?
Segundo prefeito de Mariana, 80% da arrecadação da cidade vem da atividade mineradora na unidade de Germano. São R$ 9 milhões por mês só com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Com a paralisação da Samarco, que concedeu férias coletivas aos funcionários, programas sociais como a Escola Integral, estão ameaçados, diz. Em janeiro, a previsão é que a arrecadação caia 30%.
A mineradora era regular?
Segundo a Polícia Militar de Meio Ambiente, a mineradora foi fiscalizada há dois anos e nenhum problema foi encontrado na barragem. De acordo com o promotor do Meio Ambiente Carlos Eduardo Ferreira Pinto, as licenças de operação estavam vencidas há quase 2 anos e meio, e o pedido de revalidação, feito pela Samarco no prazo, foi prejudicado por uma greve no Sistema Estadual de Meio Ambiente.
A barragem era considerada segura?
De acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral, a barragem de Fundão está classificada como de baixo risco, pelo bom monitoramento e documentação em dia. Mas por estar situada em região com alta densidade populacional, sua classificação do dano potencial associado, ou seja, da gravidade do que poderia acontecer em caso de acidente, é alto.
Quem concedeu a licença para a mineradora?
O órgão licenciador é a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam/MG), que deverá apurar as responsabilidades e adotar as medidas previstas na legislação. Ele é vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
A mineradora continuará funcionando?
A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais informou que todas as atividades da Samarco Mineradora estão suspensas e a empresa não poderá operar até que repare os danos causados.
Quais as obrigações ambientais de uma empresa que explora minério?
Como exercem uma atividade de risco, as mineradoras devem seguir normas técnicas de segurança e estão sujeitas à legislação ambiental e licenciamento ambiental. Uma das obrigações é ter um plano de recuperação de áreas degradadas pela atividade.
A mineradora usou um alarme sonoro para alertar sobre o rompimento?
Não. A assessoria da Samarco Mineração disse que nunca recebeu nenhum pedido dos moradores para que houvesse algum alarme ou sirene. E que assim que aconteceram esses rompimentos das barragens, entrou com um plano emergencial em ação e que chegou a ligar para os moradores, para que eles saíssem de suas casas. Disse também que o plano seguiu a legislação brasileira e as boas práticas internacionais. A obrigatoriedade do alerta sonoro está prevista na Convenção no 176 e a Recomendação no 183 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Segurança e Saúde nas Minas, que está em vigor no país graças ao Decreto 6.270/2007.
Quem poderá ser responsabilizado pelo dano ambiental?
Pelo direito ambiental, quem polui é o encarregado de adotar os meios necessários para evitar a ocorrência do dano e também de reparar os danos. É o princípio do “poluidor-pagador”. A responsabilidade é apurada em três esferas diferentes: administrativa (multa), civil (indenizações) e penal (crimes).
É preciso provar que a mineradora teve culpa?
Não. O poluidor deve indenizar ou reparar os danos causados por sua atividade “independentemente da existência de culpa”. O que é preciso provar é o que o dano foi causado pela atividade da mineradora.
As empresas podem alegar serem apenas acionistas, por isso, não respondem pela tragédia?
Não. No direito ambiental, o responsável pelo dano pode ser direto ou indireto, portanto, inclui todos aqueles que contribuíram para poluir o meio ambiente, inclusive o poder público, por exemplo, se ficar comprovado que não houve a fiscalização necessária. No caso de uma empresa, pessoa jurídica, que estiver dificultando o ressarcimento, por não ter dinheiro suficiente, ela pode ainda ter sua personalidade jurídica desconsiderada, e os sócios passam a ser os responsáveis pessoalmente pelo ressarcimento.
Elas podem alegar caso fortuito ou força maior, por exemplo, que um tremor provocou o rompimento?
Em direito ambiental, a jurisprudência tem entendido que essas circunstâncias não se aplicam
para excluir a responsabilidade das empresas, por se tratar de uma atividade de risco.
Os moradores serão indenizados?
Cabe ao Ministério Público propor ação de responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente, o que já foi feito. A Justiça determinou o bloqueio de R$ 300 milhões da empresa para os ressarcimentos. A intenção é fazer com que a empresa repare completamente o dano causado pela lama, com ações como a limpeza, resgate dos animais, reconstrução das casas, entre outros. Depois, apura-se uma indenização pelos danos coletivos e também pelos danos individuais.
Como devem ser recebidas as indenizações? As famílias diretamente atingidas e aquelas que tiveram parentes mortos no desastre poderão pedir indenização?
Se a empresa é condenada a uma indenização coletiva, o dinheiro vai para um fundo destinado a ações de melhoria da qualidade ambiental. Com base nessa condenação, os moradores também poderão pedir uma indenização pelos seus danos pessoais, inclusive, em caso de morte de parentes, podendo até haver pagamento de pensões às famílias das vítimas.
A multa aplicada à empresa também é uma indenização?
Não. A multa é uma sanção administrativa, nesse caso, aplicada pelo Ibama, e o dinheiro também irá para o fundo específico.
Qual o total de multas aplicadas?
A presidente Dilma Rousseff anunciou na quinta-feira (12) que a multa preliminar à Samarco será de R$ 250 milhões “por dano ambiente e comprometimento da bacia hidrográfica, por dano ao patrimônio público e interrupção da energia elétrica".
Segundo o Ibama, serão cinco multas que, juntas, chegam a esse valor. A Samarco foi autuada por causar poluição hídrica resultando em risco à saúde humana, tornar áreas urbanas impróprias para ocupação, causar interrupção do abastecimento público de água, lançar resíduos em desacordo com as exigências legais e provocar a mortandade de animais e a perda da biodiversidade ao longo do Rio Doce.
O que dizem a Vale e a BHP Biliton?
Em comunicado conjunto, a Vale e a BHP Billiton dizem que se comprometeram a apoiar a Samarco a criar um fundo de emergência para trabalhos de reconstrução e para ajudar as famílias e comunidades afetadas. “É nossa intenção trabalhar com as autoridades para fazer este fundo funcionar o mais breve possível”, diz a nota.
É possível alguém ser condenado por crime?
A responsabilidade criminal é mais difícil de ser comprovada. É preciso demonstrar que a conduta de determinado gestor, por exemplo, causou o desastre. E que ele tinha poder de agir para evita-lo, tendo conhecimento de que iria ocorrer. As penas estão na Lei 9.605/98, a Lei de Crimes Ambientais. A pena mais alta é de 6 anos.
*As questões jurídicas foram respondidas ao G1 pelo advogado André Krull, sócio do escritório Rusch Advogados, mestre em direito pela Universidade Federal da Bahia, com ênfase em Direito Ambiental, e pós-graduado em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
FONTE: G1
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